16/08/2018
Entidades presentes pediram a retirada do PLS 394/2017 do Senado Federal. Argumentos mostraram que a proposta viola o ECA e a proteção integral à crianças e adolescentes.
por Assessoria de Comunicação CRESSRS
A Sala de Convergência Adão Pretto, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (ALRS), ficou lotada no último dia 13 para a realização da audiência pública que discutiu o Projeto de Lei do Senado Federal (PLS) nº 394/2017, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede/AP), chamado de Estatuto da Adoção. Intitulada "Proposta de Lei do Estatuto da Adoção: Debates entre a Garantia e Violação à Convivência Familiar e Comunitária de Crianças e Adolescentes no Brasil", a audiência pública foi realizada pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da ALRS e teve como entidades proponentes o Conselho Regional de Serviço Social (CRESSRS), o Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul (CRP/RS) e o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do Rio Grande do Sul (CEDICA/RS). Representantes dos conselhos e de outras entidades, além de especialistas no tema, se manifestaram contra o projeto, que flexibiliza as regras para a adoção, contrapondo-se ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
A presidente do CEDICA/RS, Lúcia Flesch, fez a primeira intervenção, apresentando elementos para a rejeição do PLS. Destacou a falta de investimentos na política de Assistência Social; a não implementação efetiva do ECA até o momento; e a penalização da pobreza em que se encontram as crianças e adolescentes nascidas em contextos de desigualdade social. Enfatizou, também, que o Estatuto da Adoção não viabiliza o fortalecimento de vínculos, na medida que reduz prazos para que a família extensa seja procurada e ouvida. O posicionamento contrário à proposta foi reafirmado pela representante do CRP/RS, a conselheira Cristina Maranzana, que declarou o repúdio dos/as psicólogos/as ao Estatuto da Adoção e ressaltou a importância da articulação coletiva para a criação de espaços de fortalecimento das políticas públicas. “Entendemos que este projeto fere o ECA e a política de Assistência Social e, na visão da Psicologia, a criança não pode ser objetificada em hipótese alguma”, salientou.
O coordenador da Comissão de Ética e Direitos Humanos do CRESSRS, Giovane Scherer, resgatou rapidamente a história das legislações voltadas à criança no Brasil, assinalando que os códigos de menores que antecederam ao ECA priorizaram a destituição do poder familiar em detrimento do fortalecimento de vínculos, tendo na pobreza e na questão racial elementos para a criminalização. Scherer enfatizou que o desmantelamento das políticas públicas vivenciado na atualidade representa retrocessos severos para o ECA e para a proteção integral de crianças e adolescentes, sendo o Estatuto da Adoção uma proposta que viola direitos historicamente conquistados. Fazendo referência à nota pública lançada coletivamente pelo CRESSRS, CRP/RS e CEDICA/RS, Scherer disparou: “A luta é conjunta e exige o enfrentamento dessa realidade de destruição das políticas públicas. Não somos contrários à adoção, somos contrários à destituição perversa que criminaliza a pobreza. Nosso total repúdio a esse projeto de Lei”.
Na condição de especialista no tema, a conselheira do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), Daniele Möller, abriu sua intervenção pedindo a retirada integral do projeto. Em seguida, alertou para o fato das políticas públicas serem brevemente mencionadas no PLS 394: “As únicas políticas públicas descritas minuciosamente no projeto partem do acolhimento institucional, acolhimento familiar e, então, a adoção”. E denunciou: “Aderir ao Estatuto da Adoção como uma prerrogativa significa partirmos do princípio da falência da nossa sociedade e do estado brasileiro.” Ao defender que a adoção deve ser realizada dentro dos parâmetros do ECA e não tornar-se um mecanismo externo, Möller relembrou que o segmento de crianças e adolescentes deve ser prioritário no campo das políticas públicas, do orçamento e do estado democrático de direito. Concluiu declarando que o PLS representa um risco para o ECA, especialmente após a aprovação Emenda Constitucional 95/2016 e do congelamento de recursos. “Isso vai levar os magistrados a destituirem crianças e adolescentes compulsoriamente”, anunciou.
A defesa do projeto de Lei foi feita pela vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Família (IBDFAM), Maria Berenice Dias, que colaborou na elaboração do Estatuto da Adoção. Dias mencionou o número elevado de crianças institucionalizadas e os longos períodos nesta condição; a morosidade para o processo de adoção dentro das diretrizes do ECA; e a inatividade Conselho Nacional de Justiça – parado há quatro anos, segundo seu relato. Contudo, Dias ponderou que “o Estatuto da Adoção não é uma obra completa”, mas pode representar uma alternativa para maior agilidade e busca de soluções para crianças e adolescentes que, em muitos casos, não têm famílias.
O conselheiro presidente do CRESSRS, Agnaldo Engel Knevitz, fez uma das falas de encerramento, trazendo provocações quanto aos objetivos do projeto de Lei: “Que sociedade é essa onde se gesta um projeto como esse? Se estamos falando de uma sociedade de classes, a qual classe o Estatuto da Adoção quer privilegiar?”. Knevitz defendeu a proteção integral à crianças e adolescentes e evidenciou as limitações para sua efetivação, causadas pelos cortes de recursos orçamentários, especialmente na estrutura do acolhimento institucional. Neste último quesito, advertiu que, muitas vezes, o acolhimento institucional ocorre devido a moralização da pobreza e culpabilização das famílias pela situação de vulnerabilidade social em que se encontram, desconsiderando a responsabilidade do Estado. Contribuindo para os encaminhamentos da Audiência Pública, o conselheiro presidente finalizou: “Temos que sair daqui com um posicionamento firme e nítido do Rio Grande do Sul [...] pensar a adoção no ECA. E tão somente o ECA para pensar a adoção”.
Ao final da Audiência Pública, aprovou-se o envio de uma moção ao autor do projeto e uma audiência para entrega presencial ao seu relator, o senador Paulo Paim (PT/RS), apresentando todas as argumentações trazidas nesta audiência pública e solicitando a retirada da matéria do Senado Federal.