22/05/2024
Techos do artigo escrito por Adriana Soares Dutra, publicado na revista Textos&Contextos (Porto Alegre/RS)
por Imprensa CRESSRS
Partimos do entendimento de que desastres são processos resultantes das ações humanas. Essa concepção dos desastres refuta a ideia difundida hegemonicamente, a partir da qual eles são vistos como sinônimo de eventos isolados, individualizados e descolados da estrutura social.
A adoção dessa perspectiva impõe a necessidade de busca da raiz dos desastres, o que requer o exercício contínuo de articulação entre o universal, o particular e o singular. Neste exercício, a compreensão da estrutura social desigual que o produz e a identificação de suas vítimas são parte integrante e absolutamente necessária. Contribui para este processo a elaboração de perguntas como: por que os desastres atingem uns e não outros? Ou, ao menos, atingem mais uns do que outros? Por que as respostas oferecidas para alguns são distintas das respostas oferecidas a outros?
Portanto, desastres não podem ser considerados naturais, tampouco eventuais ou acidentais e sim fruto de desigualdades produzidas historicamente e reproduzidas cotidianamente. Atingem mais intensamente uma parcela específica da população, marcada pela condição de classe, pela cor da pele, pela falta de acesso a direitos humanos fundamentais de moradia, de educação, de saúde, entre outros aspectos.
Com base nestas reflexões, é possível afirmar que o trabalho desenvolvido por assistentes sociais se encontra, intrinsecamente, vinculado aos desastres. Contudo, apesar do número expressivo de demandas para o Serviço Social nesse campo, o que se verifica até o momento é uma ênfase excessiva nos impactos e nos atendimentos dele decorrentes. Em suma, assistentes sociais comparecem para o trabalho junto aos órgãos de proteção e defesa civil, porém de forma esporádica, focalizada e eventual, especialmente na realização das ações emergenciais.
Em que pesem as questões que se apresentam nos momentos imediatamente seguintes ao impacto, a perspectiva que apreende o desastre como um processo, e não como um evento, nos convida a refletir sobre as questões que se colocam após o apagar dos holofotes.
Em geral, o que se observa é um agravamento dos problemas e dificuldades produzidos ou intensificados com o impacto, fazendo com que se arrastem por longos anos. Do aluguel social, à demora na entrega das casas, passando pelos processos judiciais que se arrastam e pelas indenizações contestadas, até o surgimento de problemas de saúde de toda ordem que acompanham os afetados por desastres, tais situações recaem, de alguma forma, nos espaços sócio-ocupacionais nos quais, entre outros profissionais, assistentes sociais se fazem presentes ao desenvolverem suas atividades laborais.
Nesse sentido, o trabalho no campo dos desastres nos remete à necessidade do conhecimento do aparato mais instrumental que compõe a gestão dos desastres, como os Planos de Resposta a Emergência ou planos de contingência, os estudos de análise de risco, a própria Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC), sistematizada na Lei n.º 12.608, de 2012, assim como de elaboração de programas e projetos que deem respaldo ao exercício profissional neste campo, que esclareçam os objetivos do trabalho, buscando seu alinhamento com o projeto ético-político do Serviço Social.
Considerando o exposto até aqui, entendemos que a crítica não deve estar direcionada para o trabalho de assistentes sociais na emergência em si, atuação esta que seguirá necessária e fundamental, mas à forma como o Serviço Social se insere, ou seja, predominantemente de maneira descolada das outras etapas que envolvem a gestão dos desastres, à mercê das ordens e interesses de outros profissionais, sem planejamento das atividades e acompanhamento posterior dos usuários atendidos. Nota-se que essas questões são alimentadas pela própria visão reducionista dos desastres. A aproximação de uma outra visão, que concebe o desastre como um processo mais relacionado aos mecanismos produtores de desigualdades do que, propriamente, aos fatores físicos desencadeantes, contribui para que a intervenção profissional, mesmo em momentos de emergência, ocorra em outros moldes e que ocorra também em outras etapas do que denominamos de gestão de desastres, possibilitando recompor a perspectiva de totalidade.
À essa questão, soma-se a compreensão das políticas públicas, espaços privilegiados de intervenção de assistentes sociais, são também campos de disputa. Nesse sentido, a busca pela efetivação do projeto profissional do Serviço Social deve ser constante e permear as práticas profissionais cotidianamente, por meio do diálogo e do esclarecimento sobre posições, seja junto aos usuários, seja em meio aos outros profissionais e lideranças com os quais o assistente social lida em seu exercício profissional.