20/02/2025
por Imprensa CRESSRS
O CRESSRS participou, nesta quarta-feira (19/02), da 5ª Audiência Pública sobre Política de Drogas e Encarceramento, realizada pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça e Segurança Pública (CNPCP/MJSP), com a temática “Descriminalização das Drogas”. Estiveram presentes a vice-presidenta do CRESSRS, Ana Lúcia Magalhães, a conselheira e Sharon Laborido e a assistente social Eliana Mota da Conceição.
A proposta da Audiência foi abordar os seguintes aspectos: explorar os impactos do atual modelo de criminalização das drogas no Estado do Rio Grande do Sul, destacando os desafios enfrentados no combate ao narcotráfico; debater os fundamentos e as possíveis vantagens da descriminalização das drogas, considerando experiências internacionais e evidências científicas; analisar como a descriminalização pode contribuir para desmantelar as estruturas do narcotráfico, reduzindo sua influência e poder de violência; discutir estratégias de implementação da descriminalização das drogas no contexto
gaúcho, incluindo aspectos legais, sociais e de saúde pública; ouvir diferentes perspectivas da sociedade civil, profissionais da saúde, segurança pública,
juristas, especialistas em políticas de drogas e outros atores envolvidos na temática e a questão das vulnerabilidades sociais X drogas.
Em manifestação presencial, a conselheira Sharon apontou que o consumo e o tráfico de drogas estão intimamente relacionados com as condições objetivas de vida dos cidadãos e defendeu a ampliação do financiamento e o fortalecimento das políticas públicas e sociais na área.
“Entendemos que a discussão desta audiência pública trata-se de um enfrentamento ideológico a um modelo de sociedade moralizante, cuja regulação estatal impõe o encarceramento e a criminalização de pessoas em situação de vulnerabilidade social, pela própria ineficiência do estado em cumprir sua função precípua de proteção social”, afirma a assistente social.
LEIA A MANIFESTAÇÃO NA ÍNTEGRA:
CNPCP AUDIÊNCIA PÚBLICA
O CRESS 10° Região compõe o sistema conselhos, junto ao Conselho Federal de Serviço Social (CFESS). Somos uma autarquia pública federal que tem a atribuição de orientar, disciplinar, normatizar, fiscalizar e defender o exercício profissional da e do assistente social no Brasil, regulamentados pela Lei 8662/93. Para além das atribuições contidas nessa lei, o conjunto CFESS/CRESS vem promovendo, nos últimos 30 anos, ações políticas para a construção de um projeto de sociedade radicalmente democrático, anticapitalista, anticapacitista, antirrascista e em defesa dos interesses da classe trabalhadora.
Enquanto profissão generalista, nós, assistentes sociais, atuamos em todas as políticas públicas e sociais. Somos orientadas por um código de ética que tem como fim, a defesa intransigente dos direitos humanos e o combate a todas as formas de preconceito. Em nossos espaços de trabalho, atendemos e acompanhamos indivíduos e famílias que enfrentam a precarização das suas vidas e recorrem aos equipamentos em busca de dignidade.
Entendemos que a discussão desta audiência pública vai além das propostas elencadas no edital: trata-se de um enfrentamento ideológico a um modelo de sociedade moralizante, cuja regulação estatal impõe o encarceramento e a criminalização de pessoas em situação de vulnerabilidade social, pela própria ineficiência do estado em cumprir sua função precípua de proteção social.
Nesta discussão, é importante questionarmos quem ocupa a massa de encarcerados e encarceradas atualmente no Brasil? Qual sua origem, seu local de moradia, suas condições de vida, de saúde, de educação, de lazer? Qual espaço ocupam, ou não, no mercado de trabalho? Quem são os jovens que cumprem medidas socioeducativas e que desde muito cedo, recebem a marca da marginalização?
No Brasil, as desigualdades sociais e raciais interferem e propiciam os processos de criminalização da pobreza. Historicamente, nosso país tem enfrentado essa questão a partir da Constituição Federal de 1988, que trouxe a proteção social, e passou a incorporar valores e critérios inovadores, como direitos sociais, seguridade social, universalização, equidade, descentralização político-administrativa, controles democráticos e mínimos sociais que norteiam “um novo padrão de políticas sociais”. Contudo, ao invés de se organizar como um Estado de Direito, passa a reforçar seu poder punitivo e controlador sobre os marginalizados. Com essa redefinição, também começa a surgir o “Estado Punitivo” (WACQUANT, 1999), onde prevalece o interesse econômico para que o capitalismo satisfaça a sua necessidade de disciplina e domínio da população. Frente a esses interesses, repercute o agravamento das desigualdades sociais e o aumento da violência, à qual o Estado passou a responder com maior controle social punitivo e segurança policial. Simultaneamente a isto, o Estado começa a articular uma nova política com interesses específicos em relação ao poder e ao controle. Neste contexto, ao invés de “atacar“ os problemas que geram as desigualdades sociais, passou a punir os pobres (WACQUANT, 1999) com poder coercitivo.
A Lei de Drogas LEI Nº 11.343, DE 23 DE AGOSTO DE 2006, que visava diferenciar o usuário do traficante, acabou por inflar o sistema punitivo, uma vez que coloca na figura da autoridade o poder de definir quem é o usuário e quem é o traficante, e assim, subjetivamente, eleger os candidatos à criminalização, respaldado pelo artigo 28, que refere no parágrafo 2º que: “Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.” Identifica-se nesse processo, que tal juízo é diretamente atrelado ao racismo estrutural.
Hoje, as penitenciárias são reconhecidas como depósito de pessoas excluídas socialmente, reforçando seu caráter punitivo e repressor. Quantas gramas de SPA são necessárias para encarcerar jovens negros e perifericos? A mesma quantidade de SPA leva à prisão pessoas brancas? E quanto à mídia, que retrata em suas manchetes pessoas negras portando drogas como traficantes e pessoas brancas como jovens.
Para enfrentar esta questão, é necessário romper com práticas instituídas, assim como reconhecer que necessitamos de programas de ação justos e eficazes. Isto corresponde a uma tarefa ético-política, que assumirá direções mais avançadas e críticas, promovendo autonomia e centralidade a todos os direitos fundamentais.
A Lei de Execuções Penais - LEP - nº 7.210 de 11 de julho de 1984, trouxe perspectivas no sentido de oferecer ao preso acesso aos direitos sociais durante o cumprimento de pena. Os assistentes sociais, junto a outras categorias profissionais, compõem as equipes de Comissão Técnicas de Classificação (CTC). O art. 6º da LEP explicita que as equipes da CTC devem acompanhar os presos através de um programa individualizado. Assim, quando a pessoa adentra no sistema prisional, é necessário lançar um olhar sobre ela, sobre as suas condições e o que lhe coloca nesse lugar de cumprimento de pena. Buscar acima de tudo, um tratamento individualizado que atenda as demandas do indivíduo junto ao laço social e familiar, buscando sua reinserção social, porém, ao se desligar do sistema prisional na esmagadora maioria das vezes, o sujeito retorna para o seu ambiente de convivência, sem oportunidade de trabalho, colocando-se em situação de risco e novamente e retornando, para que gerou seu aprisionamento. Um ciclo contínuo.
Esse fato demonstra que a problemática acerca do uso de substâncias psicoativas é transversalizada, e requer esforços de políticas públicas pensadas conjuntamente, efetivas para atendimento da pessoa na sua totalidade e no desenvolvimento das suas potencialidades.
No estado do Rio Grande do Sul, há, atualmente, quatro Centrais de Alternativas Penais, localizadas em Caxias do Sul, Novo Hamburgo, Pelotas e Porto Alegre, que visam a substituição da Pena Privativa de Liberdade (PPL) em Pena Restritiva de Direitos (PRD). Considerando a situação caótica dos presídios do país, foi lançado no dia 12 de Fevereiro de 2025 o Plano Pena Justa, obrigatório em todo o Brasil, decorrente de determinação do STF, declarando a situação inconstitucional dos presídios brasileiros, com o objetivo de “assegurar que as pessoas privadas de liberdade tenham acesso a condições dignas e a oportunidades de ressocialização, de forma a evitar a reincidência no crime”
Entretanto, é necessário avançar e fortalecer políticas que evitem o encarceramento, dentre estas, a política de assistência social, saúde, geração de trabalho e renda, educação, habitação, cultura e lazer. O Serviço social "defende a revisão da política criminal vigente, mediante a adoção de uma política pública consistente, que leva à redução da população carcerária – com especial atenção para a revisão da política de drogas, incentivo à política de alternativas penais e à implementação das audiências de custódia, como mecanismo fundamental de verificação da legalidade da prisão, do cumprimento das garantias processuais e da prática de abuso ou tortura".
Nesse contexto, entendemos que os equipamentos da Rede de Atenção Psicossocial, articulados às demais políticas públicas, desenvolvem um papel fundamental. É necessário compreender que não há saúde mental sem justiça social, sem direitos humanos e democracia. Precisamos compreender que as condições de vida e de trabalho são determinantes sociais.
A Reforma Psiquiátrica é um marco legal na luta pelos direitos das pessoas, buscando superar um histórico de exclusão e violência. Sendo assim, assim como a Portaria de Consolidação do MS n°6, de setembro/2017, traz em seu artigo 1041 o “projeto de reabilitação psicossocial constituído por iniciativa(s) de geração de trabalho e renda, empreendimento(s) solidário(s) e cooperativa(s) social(s).”
A Rede de Atenção Psicossocial é crucial para a sociedade porque fornece suporte integral e contínuo para pessoas que enfrentam problemas relacionados à saúde mental e uso de SPA. Ela oferece uma abordagem multidisciplinar, o que garante um atendimento mais completo e eficiente.
Já a Política de Redução de Danos (RD), dada pela PORTARIA Nº 1.028, DE 1º DE JULHO DE 2005, é uma abordagem estratégica focada em minimizar as consequências adversas do uso de substâncias psicoativas (como álcool, tabaco e substâncias ilícitas) sem, necessariamente, exigir a abstinência do usuário, entendendo que a eliminação total do consumo pode não ser viável para todos, assim, é importante buscar a redução danos à saúde física, psicológica e social dos indivíduos. A implementação da política de redução de danos envolve uma série de ações que incluem medidas de prevenção, tratamento e promoção da saúde.
Contudo, percebemos entraves na implementação destas Políticas Públicas, como poucas Unidades de Acolhimento, Centros de Atenção Psicossocial - CAPS com leitos insuficientes, equipamentos com equipes técnicas aquém da necessidade dos territórios e insuficiência de dados relacionados ao cumprimento do Art. 1041, além de falta de espaços transversais de acesso a lazer e cultura.
Considerando que o SUS oferta ações específicas para pessoas com transtorno de uso abusivo de substâncias, porque ainda tratamos a situação das drogas como uma questão da justiça? Criminalizar o uso de SPA não sanará o caos estabelecido na realidade da sociedade e dos presídios brasileiros, não resolverá o cenário caótico que nos deparamos nas esquinas,nem tampouco das famílias que vivem essa realidade e buscam serviços de proteção.
É necessário ampliar o financiamento e o fortalecimento das políticas públicas e sociais já mencionadas, uma vez que o consumo e o tráfico de drogas estão intimamente relacionados com as condições objetivas de vida dos cidadãos.
Documento elaborado pelas/os assistentes sociais:
Ana Lúcia da Silva Magalhães
David Petar da Conceição
Mantalof
Eliana Mota da Conceição
Mariele Aparecida
Lisiane Queiroz Dornelles
Luisa Fernandes Cordeiro
Sharon Laborido
Simone Félix Marques
Descrição da imagem: fotografia com três mulheres, assistentes sociais, duas pretas e uma branca, em frente a um banner do Tribunal de Justiça do RS.