O Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e o Conselho Regional de Serviço Social do Rio Grande do Sul (CRESS-RS) manifestam solidariedade a todas as pessoas do Rio Grande do Sul que sofrem com o impacto de um desastre sem precedentes na história do Brasil, assim como às(aos) assistentes sociais e demais profissionais que têm composto as equipes de trabalho emergencial.
A situação de calamidade pública atinge 364 municípios do estado do Rio Grande do Sul. Os danos, muitos deles ainda difíceis de mensurar, expressam a gravidade da crise climática, reflexo do modo de produção capitalista, que vem superexplorando os bens comuns da natureza, aniquilando a biodiversidade e provocando intenso sofrimento e ameaça à vida da população, muitas delas já interrompidas.
Esse contexto mobiliza todas(os), uma vez que dele emergem necessidades que demandam ações variadas, tanto de natureza humanitária, quanto profissional. As ações de natureza humanitária são essenciais para o suprimento de necessidades básicas no momento da emergência. É importante que as pessoas que se apresentam para este tipo de ação sejam devidamente cadastradas e orientadas sobre o que precisa ser realizado, para que possam se somar nas frentes de atuação de forma organizada e contribuam efetivamente para o enfrentamento ao desastre, da melhor forma possível. Além das ações que devem ser coordenadas pelo poder público, destacamos aquelas organizadas e coordenadas pelos Movimentos Sociais Populares e instituições da sociedade civil, as quais, em grande medida, tem conseguido alcançar um número significativo da população atingida.
A realização dessas ações, todavia, não depende, necessariamente, de formação específica. Já as ações de natureza profissional requerem formação específica e envolvem competências profissionais e atribuições privativas, no caso do Serviço Social, previstas na Lei 8.662/93. Desse modo, considerando o papel dos Conselhos Profissionais de regulamentar, orientar e fiscalizar o exercício profissional, as gestões do CRESS-RS e do CFESS vêm a público prestar algumas orientações no que compete ao exercício profissional do Serviço Social em emergências.
Participar de programas de socorro à população em situações de calamidade pública é um dever ético de profissionais do Serviço Social. Nossa atuação deve sempre ser pautada pelos princípios ético-políticos do Código de Ética e da Lei de Regulamentação da Profissão.
Contudo, a gestão da emergência requer a organização das atividades a serem realizadas, de forma que o aumento do número de pessoas presentes não se torne um obstáculo para o atendimento da população. Nesse sentido, a definição dos objetivos, a identificação de responsáveis pela coordenação das ações e o estabelecimento do fluxo de informações são aspectos fundamentais para este momento.
Assistentes sociais, com seu conhecimento técnico e compromisso ético-político, podem oferecer importantes contribuições na orientação da população sobre seus direitos, viabilização de serviços e benefícios, no restabelecimento de vínculos entre familiares que, ao serem resgatados(as), podem ser acolhidos(as) em locais distintos, na gestão dos abrigos, entre outras atividades. No desenvolvimento dessas tarefas, é importante que as(os) profissionais garantam uma escuta qualificada, assim como os seus registros por meio de relatórios técnicos, para que seja possível o acompanhamento das pessoas pelos serviços públicos nos momentos posteriores à crise aguda do desastre.
Em todas elas, é importante considerar o compromisso com a qualidade dos serviços prestados, atentar para os públicos prioritários, como crianças, gestantes, pessoas idosas, pessoas com deficiência, pessoas gordas, acamadas ou com problemas de saúde, comunidades tradicionais, povos indígenas, ribeirinhos(as), dentre outros, assim como para os riscos das violências que se avolumam nesses contextos, como é o caso do abuso sexual de meninas e mulheres e da violência contra a população LGBTQIA+.
Para além das atribuições, das ações a serem realizadas e das possibilidades de contribuição do Serviço Social nestes contextos, há que se destacar os aspectos que envolvem as relações de trabalho. Muitas vezes, se faz necessário que o Estado e os municípios façam o remanejamento de equipes de trabalho para atuar em frentes de atendimento emergencial. Evidentemente que se espera uma postura colaborativa, nessas situações, sem que isso fira princípios fundamentais ou que violem direitos de qualquer natureza. Havendo essas hipóteses, é dever da(o) assistente social a denúncia, a comunicação e o desvelamento da realidade em face da qualidade do serviço prestado à população.
Nesse contexto de emergência, é comum a chamada por ações voluntárias, evocando princípios de solidariedade, que se expressam de diferentes formas. Porém importante não associar essa ação com o incentivo ao voluntariado, conforme expresso em diversos documentos do Conjunto CFESS-CRESS: “Primeiramente, cabe refletir que o dever ético da atuação profissional por assistentes sociais não contém naturalizada a concepção de que esta atuação terá que se dar de forma não remunerada (entendida também como “voluntária”), bem como de que a/o profissional deve admitir, sem análise crítica, o voluntariado geral como atitude e ação irrevogavelmente necessária nestas situações.” (CRESS-SP, 2023).1
Reforçamos também que a atuação, ainda que seja voluntária em um primeiro momento, nos termos de programas coordenados, não substitui a necessidade de contratação emergencial de profissionais de Serviço Social e outras áreas de especialização pelo poder público, a atenção ao número de horas trabalhadas e aos equipamentos de proteção necessários para que a intervenção aconteça. Ações descoordenadas, desordenadas, voluntaristas e pouco conectadas com o contexto de garantia de direitos, expressas pelo imediatismo e pelo espontaneísmo, trazem consigo riscos de danos, inclusive físicos e emocionais, aos(às) profissionais e pessoas em atendimento.
Não podemos naturalizar a falsa ideia de que o poder público não disponha de condições de enfrentar essas situações. É preciso enfatizar que o poder público, por vezes, negligencia a prevenção, corta recursos das áreas de proteção ambiental e das políticas sociais, fomenta incentivos fiscais a setores capitalistas para exploração desenfreada da natureza e, ao se deparar com essas situações limites e de urgência, repõe o discurso de partilhar suas responsabilidades com a população, que, mesmo antes da calamidade, já sofre com os retrocessos em termos de direitos e com a ausência de ações planejadas no orçamento público para as situações de desastres.
O Congresso Nacional vota de forma unânime a aprovação da flexibilização no orçamento e nas regras de contratação pública para atendimento das vítimas do estado do Rio Grande do Sul. No entanto, não podemos esquecer que é esse mesmo Congresso que aprova e pressiona o cumprimento do limite dos investimentos públicos com políticas sociais essenciais e que limita, cada vez mais, as possibilidades de investimentos nas áreas sociais. É preciso apontar essas contradições (e tantas outras), com o risco de perdermos a noção de que emergências e desastres também compõem um projeto societário de exploração, de morte e de “salve-se quem puder” em um contexto de capitalismo ultra neoliberal que nega os seus efeitos e delega suas consequências.
Cabe ainda lembrar que desastres são processos e não se restringem ao momento da emergência ou da crise aguda. Problemas de saúde, segurança alimentar, acesso a benefícios, à documentação, direito à moradia, geração de emprego e renda, transporte público, são algumas das demandas recorrentes nestes contextos. Planos de governos a médio e longo prazo precisam prever contratação/nomeação de assistentes sociais e de profissionais de outras áreas para este atendimento.
[…] trabalhar na construção de respostas, mas também nas respostas posteriores aos impactos. Para isso, são necessárias condições éticas e técnicas asseguradas pelos serviços e políticas sociais. É nessa direção que é preciso defender a continuidade das ações, visando a enfrentar a realidade vivenciada após o momento de emergência, quando a mídia para de noticiar, o imediato passa e a realidade dos sujeitos e da família permanecem. […]”(CFESS MANIFESTA,2022)2
O apoio à organização da população atingida em torno do atendimento de suas demandas também é um compromisso do Serviço Social como profissão e deve estar no horizonte dos projetos profissionais em todos os espaços sócio-ocupacionais de atuação do Serviço Social.
Ademais, reforçamos a necessidade de articulação e fortalecimento das ações desenvolvidas pelos movimentos sociais populares, os quais tem sido cruciais no atendimento emergencial à população e que ensinam pelo exemplo da solidariedade de classe.
Reiteramos que a situação vivenciada é sem precedentes, exigindo capacidade de leitura da realidade das(os) profissionais que estão à frente dessa demanda extremamente desafiadora de trabalho e de sobrevivência. O momento exige solidariedade e organização da classe trabalhadora. Colocamos o Conselho Federal de Serviço Social e o Conselho Regional de Serviço Social do Rio Grande do Sul à disposição para toda orientação e/ou intervenção que seja cabível.
Conselho Federal de Serviço Social (CFESS)
Conselho Regional de Serviço Social do Rio Grande do Sul (CRESS-RS)
Descrição da imagem: card com as logos do CFESS e do CRESS-RS trazem a mensagem de solidariedade com a população do RS e profissionais no trabalho emergencial, além de ilustrações com as cores da bandeira do estado.